domingo, 18 de março de 2012

ROGÉRIO CENI: "NÃO VOU ACEITAR RENOVAR SÓ PELO MINHA HISTÓRIA"

Ídolo tricolor dá entrevista exclusiva ao LNET! e diz que só renova contrato se tiver plenas condições de jogar futebol

Ceni atende o LANCENET! no CT da Barra Funda (Foto: Tom Dib)

Voltar a jogar futebol ainda é uma meta distante para Rogério Ceni. Em recuperação da pior lesão da carreira, tudo que o goleiro deseja é poder pegar suas filhas (Beatriz e Clara) no colo e conseguir dormir sem ter de usar três ou quatro travesseiros.

Limites que a cirurgia no ombro direito, realizada no dia 27 de janeiro, ainda o impõe. O maior ídolo do São Paulo recebeu o LANCE! no CT da Barra Funda com aparente serenidade, que esconde o incômodo por estar longe de poder defender o time do coração.

Apesar da “monotonia” fora dos gramados, 2012 ficará na memória como um ano intenso. Em menos de três meses, a operação, o início da recuperação e as visitas a Barcelona e Real Madrid, onde se aproximou de Lionel Messi, Cristiano Ronaldo, Pep Guardiola e José Mourinho, entre outros.

No segundo semestre, além de voltar ao seu lugar, Rogério terá de decidir se encerra a carreira em dezembro, ao término do contrato, ou renova por mais um ano. A permanência é condicionada ao desempenho do São Paulo e como voltará após a lesão no ombro.

– Jamais vou aceitar renovar pelo que fiz nos últimos 21 anos. Só renovo se tiver condições plenas de exercer bem minha função.

Pelo menos em relação às conquistas, Ceni é puro otimismo. Rasgou elogios ao elenco atual (melhor do que o hexacampeão brasileiro, de 2008) e garantiu que o time chegará às finais da Copa do Brasil e do Campeonato Paulista. Enalteceu também o parceiro Lucas, falou de Adriano, Neymar e do futuro do futebol brasileiro sem Ricardo Teixeira na CBF.

Confira a entrevista com o ídolo tricolor:

Alexandre Lozetti: Ao contrário das outras lesões, há pouco a fazer para antecipar a volta. É um exercício de paciência na vida?

Tive três artroscopias no joelho, o tornozelo (esquerdo, operado em 2009) era uma coisa óssea. O ombro é uma experiência nova, não me lembro de outro caso. Hoje, falta muito para ficar bom. Não consigo pegar minha filha no colo, nadar... É muita limitação física para quem é elétrico. Mas o dia passa voando no CT. Só de correr no campo já é diferente. Daqui a algumas semanas, só correr vai encher o saco, mas me sinto mais livre.

Gabriel Saraceni: Você se preocupou em se informar sobre a lesão?
Quando fiz a ressonância e acusou problema no lábrum, eu nem sabia o que era lábrum. Pesquisei na internet e os sintomas eram muito claros de cirurgia. Consultei dois especialistas e eles tiveram convicção de que, para fazer esporte de alto rendimento, seria necessária. Eu não conseguia levantar totalmente o braço, mas não tinha conhecimento algum do assunto.

GS: E como fica sua parte psicológica com essa recuperação, já que em 2009 você voltou bem antes do previsto após operar o tornozelo?
O protocolo daquela lesão era de seis meses e reduzimos a 128 dias. Essa não vejo como baixar. Acredito que a volta será de cinco a sete meses, entre meio de julho e começo de agosto. Com 36 anos já era difícil lidar com a situação, com 39 é ainda mais. Tenho contrato até dezembro e espero usufruir o máximo possível da minha profissão em condições ideais. Mas o ombro fala por si só. É tão pequena a evolução que não noto diariamente. Ganho um ou dois centímetros de amplitude por semana, só que ela demora para passar. É muito complicado.

AL: É a pior dor da carreira?
Sem dúvida. Até hoje durmo mal, tomo remédio para aliviar a dor. Durmo com o corpo inclinado em 35, 40 graus. É melhor dormir sentado, só que não descanso tão bem. No começo dormia mais sentado. Agora fico deitado até cinco, seis horas. Aí incomoda, coloco três ou quatro travesseiros. A dor é chata mesmo.

AL: Recentemente você foi à Espanha, visitou Real Madrid e Barcelona. Já pensava em agregar conhecimentos que te ajudem numa nova função, quando parar de jogar?
A viagem estava programada para dezembro, ao final do contrato, independentemente de renovar. Aproveitei para ganhar esse tempo. Lógico que foi para agregar alguma coisa que possa ser útil para mim e o São Paulo. Não sei em que função, mas possam ser usadas no futuro.


AL: Agregou algo como goleiro?
O Real Madrid tem um trabalho muito parecido com o nosso em treinamento de goleiros. Até gravei alguma coisa, o Mourinho me permitiu. No Barcelona muda um pouquinho a característica, mas coisas fáceis de serem implantadas.


GS: A receptividade surpreendeu?
Fui recebido como se fosse aqui. Muito por conta do Kaká, que é muito querido e conseguiu essa oportunidade. O Mourinho me recebeu super bem, conversei muito com ele, os jogadores foram solícitos. Ver o pessoal reconhecer seu trabalho na Europa, saber quem você é, o que você faz, onde nunca joguei, foi a parte mais legal. Adquiri conhecimentos bacanas, observei conceitos, conheci centros de treinamento muito legais. O preparador de goleiros do Real Madrid também é português, teve paciência, conversamos durante horas.


AL: Conheceu Messi e Cristiano Ronaldo? Como foi o contato?
O Messi estava com o Mascherano, mas fiz questão de dar os parabéns porque é, disparado, o melhor jogador do mundo, fora de série. E o Cristiano foi muito simpático, é um cara vibrante. No treino, o Kaká fez um gol e o Cristiano comemorou mais que ele. Quer ganhar sempre, extremamente competitivo. Merecem ser os melhores do mundo.


AL: Mourinho e Guardiola são rivais. Identificou-se com algum?
São extremamente diferentes, jovens (Mourinho tem 49 anos, e Guardiola 41) perto de gente mais velha que vemos treinando no futebol. E querem a bola. Principalmente no Barcelona, é o principal conceito de jogo. São excelentes treinadores, mas o time do Barcelona é especial. Você pode colocar seus conceitos em prática, mas ninguém tem Xavi, Iniesta, Messi, Aléxis Sánchez, Pedro, Fábregas, Thiago... Ninguém vai fazer o mesmo. E vi treinos no Real Madrid que não conhecia, de 45 a 90 minutos, mas de muita dinâmica e intensidade. Por isso o jogador europeu parece mais competitivo. Sou fã do Guardiola, estou lendo um livro dele. E o Mourinho me deu o dele, com dedicatória. São pessoas altamente competentes, fantásticas, do bem.


AL: Não despertou um desejo de ser técnico ao conviver com eles?
É cedo para falar disso, só pensaria em exercer nova profissão, ligada ao São Paulo ou ao esporte, depois que decidisse não jogar mais.


GS: E você ensinou alguma coisa?
Procurei perguntar porque minha cultura é diferente e era minha oportunidade de estar lá. Eles veem o dom do jogador brasileiro, diferenciado, mas mais lapidado e moldado quando pega uma equipe e uma linha de trabalho como essas. Ganha maior noção de conjunto.


AL: Então concorda que o Neymar deveria ir logo para a Europa?
Falam lá fora que o jogador brasileiro é mais respeitado numa Copa do Mundo quando atua num grande clube europeu. O futebol dele será muito mais reconhecido na Europa. Mas ele tem de fazer o que achar melhor para a vida e a carreira dele. O Santos é uma grande equipe, num futebol diferente.


GS: Você se preocupa com o contrato, que vence no fim do ano?
Absolutamente, estou tranquilo. Só não mais feliz pela lesão, mas nem sei como e quando será a volta. Quero me recuperar e estar em condições plenas de voltar à minha atividade. Sou extremamente consciente, feliz e agradecido por tudo que vem sendo feito por mim aqui.


GS: Não poderia haver uma renovação antes de voltar?
Se eu não estiver bem, jamais vou querer ter renovado contrato pelo que fiz nos últimos 21 anos. Só renovo se tiver condições de exercer minha função. O São Paulo está completamente correto, seria injusto da minha parte cobrar renovação. Quero ficar bom para ver se em julho, agosto, volto a atuar e tenho condições de manter bom nível. Em dezembro a gente volta a conversar e ver se é interesse meu e do clube.


AL: Você antes havia condicionado sua renovação às conquistas.
E continuo. Com o Brasileiro, que eu provavelmente possa disputar 75%, a Sul-Americana. Podemos conseguir vaga para a Libertadores no primeiro semestre porque o São Paulo é um dos grandes favoritos na Copa do Brasil. Arrisco dizer que o São Paulo vai chegar às finais da Copa do Brasil e do Paulista. De 2005 a 2007 tínhamos um time excepcional, mas esse é, disparado, o melhor elenco desde 2008, incluindo aquele hexacampeão brasileiro.


GS: Por que acha esse melhor?
Aquele time ganhou na vontade. Tinha dois ou três substitutos que mantinham nível. Há quanto tempo o São Paulo não tinha Osvaldo e Fernandinho no banco? Velocistas, que decidem. Contratou Jadson, que deve evoluir mais, Fabrício, importante pela liderança, voz ativa. O meio é recheado: Rodrigo Caio, Casemiro, Maicon, Denilson, o Cícero joga em 200 posições. Cortez caiu bem, a zaga vem se acertando. Denis mantem uma regularidade no gol. Sofre um erro ou outro que ocorre comigo ou qualquer goleiro, mas está sereno, tranquilo, muito bem. O São Paulo chegará às finais do Paulista e da Copa do Brasil.


AL: Você citou o Lucas, que vive uma fase difícil. Você fala com ele?
Falo todo dia com o Lucas. Ele é alegre por si só. Acaba o treino, faz finalização, cabeceio, quer bater falta, pênalti. E ainda bem que ele é assim, porque às vezes tem jogador que acaba o treino, pega o carro e vai correndo para casa. Ele quer sempre aprender. É diferenciado e trabalhador. Vi gente indolente passar por aqui. Foi um prejuízo para ele e o São Paulo esse assunto (desentendimento com o técnico Emerson Leão) ter se tornado público. O torcedor tem de apoiar, ele é esse talento, individualiza e vai pra cima, mas também sabe tocar a bola. É achar equilíbrio no dia-a-dia.


GS: Sua ausência acabou incentivando novas lideranças no time?
Quem tem o que falar, independentemente de ser capitão, fala. O capitão não inibe. Cada um tem seu jeito de lidar com situações. O Rhodolfo é mais contido, se soltou com a faixa. O Luis (Fabiano) cobra bastante, é mais explosivo, impulsivo. Não há time em que só um fala. É importante que todos se manifestem, mas sempre defendendo o companheiro e se colocando no sistema. Criticavam a zaga porque tomava muito gol de cabeça. É o time que toma muito gol de cabeça. São sete jogadores, no mínimo, de todos os setores, que participam da bola aérea. Temos de defender mais nosso companheiro, principalmente do setor que não jogamos. É essa consciência de equipe. Esse grupo é bem dedicado e merece coisas boas, os caras são muito trabalhadores.


GS: E qual sua participação nisso? Temos visto fotos suas no vestiário antes dos jogos, falando...
Vou sempre aos jogos porque gosto, torço e são meus companheiros. Mas minha participação é zero. Tento dar minha palavra de incentivo, mas é um momento deles. Eu me considero parte desse todo porque se o São Paulo estiver bem, ganhar títulos, marcará para todos.


AL: Como foi a primeira semana como profissional sem Ricardo Teixeira na presidência da CBF?
É verdade, depois de vinte e tantos anos, né... Cada um faz uma autocrítica e que a gente possa melhorar cada vez mais esse órgão importante para o futebol brasileiro.


AL: Mas a saída dele é boa para o futebol brasileiro?
O tempo vai dizer. Não vou fazer críticas a uma pessoa que acabou de se retirar. Tem seus feitos, suas conquistas, seus deslizes e cabe a cada cidadão avaliar. Não vou bater, criar tumulto. Num órgão como a CBF, que comanda o futebol brasileiro, é importante ter renovação. Espero que seja benéfico especialmente aos clubes filiados à entidade, que possa haver uma proximidade e um benefício maiores.


AL: Pelo mundo, vemos muitos ex-atletas dirigentes. Não acha que os brasileiros se omitem nisso?
Mas é uma parte política, né? Leonardo (dirigente do PSG-FRA) teria condições de ser presidente da CBF. Raí, Junior, Zico, Falcão, Toninho Cerezo, jogadores inteligentes, capacitados, com história. Poderiam ter participação mais ativa. Mas é uma posição muito mais política. É um sistema, é difícil para o jogador ser incluso. Alguns não se sujeitam e outros não têm oportunidade.


GS: Você trabalhou com o Adriano no São Paulo. Como vê mais uma confusão na carreira dele?
Eu me surpreendo. Ele teve probleminhas aqui de se atrasar, faltar, mas dentro de campo não dava trabalho nenhum, não tenho uma linha para falar. Eu lamento porque esse rapaz tem um talento acima da média, um dom, é jovem, tem muita lenha para queimar. Achei que era sempre possível recuperá-lo, e que ele tivesse um, dois anos constantes. Parece que está difícil. Torço para que seja possível porque gosto muito dele. Depende com quem você anda. Às vezes você precisa de ajuda e não tem essa qualidade de ajuda necessária para melhorar.

Fonte: Lance